quinta-feira, 18 de julho de 2013

Não estava preparada para não encontrar o azul dos teus olhos. Perderam a cor, são cinzentos e tristes. Sabia que estavas doente, que estavas diferente, que era mau, que não tinha cura, mas não estava a contar já não encontrar a cara bolachuda que conheci a minha vida toda. Perdeu as formas, perdeu cor e tu perdeste até aquela voz forte com que me domavas o mau feitio em catraia. Mal te ouço, avó, tenho de chegar tão pertinho para te perceber. Acho que ninguém sabe perder os seus mas cada vez que convenço mais que sou amputada de qualquer força que nos confira tranquilidade perante estes cenários que nos tornam tão pouco, tão pequenos, tão impotentes. É tão pouco o meu medo de morrer como é imenso o medo de perder as minhas pessoas ficando eu cheia de uma vida mais vazia. Não aceitei ainda a ideia de te perder e tenho o tempo a correr, tempo esse que já nos dizem ser tão pouco. Tenho a distância a limitar-me os gestos, a impedir-me a presença constante e diária e falta-me oportunidade para fazer o que preciso para que sintas que gosto de ti. Custa-me que nada te saiba bem, que nem o que cozinhamos com mais amor consigas comer. Custa-me que não durmas, custa-me que não tenhas visto quem mais amas chegar onde sonhaste. Custa-me a tua vida difícil e esta velhice doente. Entristece-me que não sorrias, que te sintas tão cansada e que não respires sozinha. Custa-me imaginar-te sozinha nos teus pensamentos, a passear pelo teu passado e não saber se foi a vida que querias. Custa-me a tristeza sentida com que me dizes que nunca imaginaste chegar a isto, e dói-me tudo quando dizes, enquanto tocas na barriga que sentes pesada "O meu mal está aqui". Lembro-me muitas vezes de quando ainda era a "pequenina". Chamaste-me assim até muito depois de deixar de o ser. E lembro-me que nessa altura nem imaginava que morrerias um dia. Custa-me que te sintas envergonhada por precisar de ajuda para mudar de roupa, ou para tomar banho, mesmo que o faça com o mesmo carinho com que um dia me mudaste as fraldas ou me embalaste no colo. Não foste a avó mais carinhosa do mundo, foste a avó que soubeste ser e a única que tive enquanto crescia. A única que sei gostar e a única que me vai fazer falta. E nem sei se te volto a encontrar, se voltamos a poder conversar e é uma merda isto de aproveitar todos os momentos que posso porque o que eu queria era ter todos os momentos que me apetecesse até um dia perder a guerra e perder-te a ti mas sem te ver transformar numa ténue lembrança da minha avó.

7 comentários:

Marizei disse...

um abraço ...

м disse...

Não imagino a dor que sentes, sinceramente. Nem sei que palavras escrever, mas senti que precisava de comentar. Mesmo que não te conheça, mesmo que nunca nos iremos conhecer, imaginei na tua dor a minha, só de pensar uma situação assim na minha vida. Por isso não podia deixar de comentar, mesmo sem grande conteúdo, só pra deixar um abracinho. Força!

Arisca disse...

Marizei, obrigada.

M, obrigada. Nunca se sabe o que dizer nestas alturas, é mesmo assim.

Risota, obrigada pelas palavras que ficaram só entre nós.

*S* disse...

Fiquei com um nó na garganta e com as lágrimas nos olhos de ler o que escreveste.
Muita força nesta hora!

Maria do Mar disse...

Fiquei com o coração pequenino. Um abracinho apertado ...

Sexinho disse...

Só hoje cheguei aqui; e encontrei um post triste...
Reencontrei aqui a dor que ainda há pouco foi minha; não há nada que possa dizer que diminua essa dor mas senti necessidade de aqui deixar um carinho.
Um abraço muito apertado

Arisca disse...

*S*, as coisas não estão melhores mas acho que tudo se aguenta. Até aquilo que achamos que não conseguimos. Beijinho.

Maria, outro para ti! :)

O sexo e a idade, muito obrigada. Espero que a dor tenha diminuido entretanto.

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